WILDER
MORAIS

Engenheiro e
Empreendedor goiano

Fé em Deus e estudar muito: a trajetória da faxineira que se tornou juíza de Direito

Reportagem publicada pelo jornal Opção — 31 de maio de 2017

Senador fala sobre livro da faxineira que enfrentou a pobreza e preconceitos até chegar a juíza de Direito, graças a determinação e a dez passos que você pode seguir

 

Wilder Morais

Há tanta notícia péssima por aí, que não vou chateá-los com mais uma. Quero falar de uma história bonita. No fim de abril, foi lançado, em Goiânia, o livro “Dez passos para alcançar seus sonhos”. A obra foi escrita por Adriana Maria Queiróz, juíza de Direito no Estado de Goiás. O que ela conta é sua saga até chegar à magistratura.

Resolvi levar essa trajetória à tribuna do Senado, para que ela sirva de exemplo e também para uma explicação pessoal. As nossas histórias coincidem em diversos episódios.

Adriana é filha de um casal de lavradores que migrou para a cidade grande em busca de estudo. Meus pais também eram lavradores e também tiveram de se mudar para a cidade, para dar educação aos filhos.

Na infância, Adriana teve muitos problemas de saúde e passava por grandes períodos de internação hospitalar. Fui um menino também muito doente. Meus pais tiveram de matar muito serviço para evitar que eu morresse, levando-me de carroça até o hospital mais próximo.

Quando criança, Adriana sonhava ter uma bicicleta. Eu queria tanto uma bicicleta que fiz uma juntando peças velhas que encontrava na rua. E meu primeiro emprego, de ajudante de mecânico, numa oficina de bicicleta.

Em sua cidade, Adriana sempre estudou em escola pública. Também fiz o ensino fundamental e o médio em escolas públicas.

Ao deixar a roça e mudar para a cidade, o pai dela, seu Marcelino, foi trabalhar como vigilante. Ao se mudar da roça para Taquaral, meu pai, seu Natalino, também trabalhou como vigilante.

Quando foi para a Capital, para tentar ser aprovada em concurso público, Adriana teve de passar muitos anos dormindo em colchão, no chão de uma pequena sala. Quando fui para a Capital, enquanto tentava ser aprovado no vestibular, também fiquei durante anos dormindo no chão, no piso de uma pequena sala de um prédio abandonado.

Adriana não tinha nada além de sonhos e de determinação para realizá-los. Ela conta que, quando pensava em tirar um domingo de folga sem estudar, logo pensava: “Como alguém que não possui sequer uma cama para dormir pode pensar em descansar?”

Adriana é incansável.

Na mudança para São Paulo, tudo o que Adriana possuía coube em duas sacolas de plástico. Nem mesmo mala ela possuía. Foi exatamente o que aconteceu comigo quando mudei para Goiânia. Tudo o que eu tinha foi colocado em duas sacolas de plástico — e ainda me lembro bem que eram das Lojas Americanas. Nem mala de duratex eu tinha.

Ao ser aprovada no vestibular, Adriana se deparou com um problema básico: estava sem o dinheiro da matrícula e só conseguiu nas últimas horas do dia final. Ao passar no vestibular, eu também não tinha o dinheiro da matrícula.

Para Adriana estudar, teve de lutar por uma bolsa de 50% das mensalidades. Para estudar, tive de contar com o crédito educativo, que era o Fies da época.

O material escolar é outra barreira para o estudante pobre. Tive as mesmas dificuldades que a doutora Adriana. Essas barreiras se igualam às de milhões de acadêmicos Brasil afora.

São muitos os pontos do livro com os quais me identifiquei, porém, o que mais achei admirável foi a sua fé em Deus. Adriana cita diversos trechos da Bíblia e outras mensagens edificantes.

Dos “Dez passos para alcançar seus sonhos”, três são diretamente ligados a acreditar.

Os dez passos são:

1º passo: sonhe;

2º passo: mantenha sua fé inabalável;

3º: aja;

4º: tenha coragem;

5º: tenha disciplina;

6º: persista;

7º passo: seja resiliente;

8º: tenha paciência;

9º: ore;

10º passo: recorra a Deus.

A doutora Adriana foi precisa em todos os itens. Sonhar, mas agir. Ser corajoso, disciplinado, paciente, resiliente e persistir. E, em todos os momentos, manter inabalável a sua fé e recorrer a Deus em oração.

Se existisse uma fórmula perfeita para uma jornada rumo ao sucesso, seria a de Adriana. Mas ela não ficou o tempo inteiro orando à espera de o milagre cair do céu.

Ela recomenda: “Fortalecido pela oração, não espere que suas dificuldades desapareçam e que tudo estará, enfim, resolvido. O propósito da oração não é esse. Como um dos frutos da oração é a serenidade, você enfrentará as dificuldades de outra forma, sem cair em desespero”.

Quando estavam faltando poucas horas para se encerrar o prazo da matrícula, e ela não conseguia o dinheiro, Adriana foi para a igreja e orou. Em seguida, o milagre aconteceu. Mas ela batalhou, correu atrás, pediu, insistiu. A persistência é outra marca forte na personalidade de Adriana.

O subtítulo de seu livro é “A história real da ex-faxineira que se tornou juíza de direito”. Tudo o que Adriana conseguiu foi por mérito, depois de se submeter a provas, testes, concursos, exames. Um dos testes foi para trabalhar na limpeza da Santa Casa de Misericórdia de Tupã, cidade em que ela nasceu. Adriana passou no teste para faxineira. Limpava a ala do SUS, a mais lotada. O serviço pesado, das 7h da manhã às 7h da noite, dia sim, dia não, era o menor de seus fardos. Tinha de tolerar as piadas, as humilhações, o racismo. E a tudo ela venceu, a tudo superou.

Diziam-lhe: “Lugar de negro é limpando o chão”.

Adriana abaixava a cabeça no momento da ofensa e a levantava em seguida para olhar o futuro: nada a impediria de ser juíza, nada! E assim foi durante doze anos, cinco na faculdade, mais sete se preparando para os concursos. Doze anos! Doze anos sem férias, sem folgas, sem feriados, sem festas. Ao invés desses quatro “efes”, Adriana se dedicava aos três “efes” cantados pelo poeta Projota: foco, força e fé.

Doze anos almoçando pão seco, doze anos estudando dia e noite. Nos tempos de acadêmica de Direito, limpava a Santa Casa nos dias “sim”. Os dias “não” eram também de labuta: prestava serviço na faculdade em troca da meia bolsa. Nos tempos de concurseira, trabalhava no Complexo Jurídico Damásio de Jesus em troca do preparatório.

Outra ótima característica de Adriana é a gratidão. Ela chamou Damásio de Jesus para a sua posse, para prefaciar seu livro e agradecer a ele e a todos quantos a ajudaram.

Foram doze anos de oportunidades para desistir. E Adriana resistiu.

Nunca teve mais que um par de sapatos. O guarda-roupas, que continuava sendo uma sacola, guardava apenas um tipo de roupas: uma calça jeans e camisetas.

Adriana fez o que meu pai sempre me aconselhou a fazer: ela trocou algum tempo da juventude pelo resto da vida de estabilidade.

Depois dessa luta inteira, foi aprovada para juíza em Goiás. Em sua posse, em 2011, ela foi notícia por três motivos:

1) O primeiro é citado por ela no livro: a doutora Adriana faz parte “da pequena estatística de negros que alcançaram a aprovação no concurso da magistratura”.

2) Em segundo lugar, Adriana foi notícia por levar a Goiânia o jurista Damásio de Jesus. O professor Damásio, em seu curso e com seus livros, ajudou milhares de concurseiros, que hoje são juízes, promotores, procuradores, delegados. E só foi a uma posse até hoje, a de Adriana.

3) O terceiro e mais forte motivo para Adriana ser notícia foi sua história, uma linda história de vida e luta, uma história que ficou mais bela ainda pelo reconhecimento que faz ao esforço de sua mãe, Dona Oscarina.

Depois de mudar da roça para a cidade, a mãe de Adriana foi fazer salgados para ajudar no sustento da família. E assim foi até a filha ser aprovada na Magistratura goiana. Aí eu me lembro do esforço da minha mãe. Depois de mudar da roça para a cidade, Dona Angélica foi costurar para sustentar a família. E é assim até hoje, fazendo camisas. Ela se recusa a parar de trabalhar. Mostra as suas peças no Instagram e vende tudo pela internet.

Era ela, Dona Oscarina, quem mandava o dinheiro para Adriana fazer inscrição nos concursos. Dona Angélica era quem me mandava o dinheiro para as inscrições nos vestibulares.

Foi Dona Oscarina quem deu o dinheiro para Adriana se inscrever no concurso do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Dona Oscarina quem deu a passagem de ônibus para Adriana ir de São Paulo a Goiânia fazer as provas. Dona Oscarina merece todas as homenagens, e eu as faço aqui em nome da filha.

O sofrimento moldou a personalidade de Adriana: “As inúmeras noites em que dormi em um colchão posto no chão, as constantes reprovações nos concursos ou mesmo as privações sofridas, na verdade, foram formadoras de nobres sentimentos e virtudes, que só somaram à minha pessoa”.

Naquelas sacolas de plástico havia mais que uma parelha de roupas velhas; ali estava o que Adriana chamava de seu patrimônio: a vontade de vencer. E ela venceu porque, como cita do livro de Lucas, capítulo 1, versículo 37: a Deus nenhuma coisa é impossível. Está na Bíblia, está no livro da doutora Adriana, e essas são as verdades universais.

Parabéns à Magistratura do Estado de Goiás, por contar com integrante tão inspiradora.

Parabéns à Drª Adriana, por sua trajetória, e nossa gratidão por nos dar essa lição.

Artigo extraído, com edições, de pronunciamento feito pelo senador Wilder Morais na Tribuna do Senado no dia 3 de maio de 2017. A obra pode ser encontrada nas principais livrarias do país, como como Saraiva e Cultura, inclusive on-line.

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